Com a demanda ainda mais reprimida depois de anos de isolamento, o setor de moda começa a dar sinais de retomada mais consistente. Mas essa recuperação é mais intensa no varejo do que na indústria, segundo fontes ouvidas pelo Valor.
Fernando Pimentel, presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), diz que o varejo de vestuário começou o ano com mais estoques e está conseguindo rodá-los agora. No entanto, ainda há um ritmo mais lento na ponta da indústria, que segue com a carteira de pedidos sem tomar tanto fôlego enquanto ainda precisa lidar com a pressão de custos acima do esperado. Com a guerra na Ucrânia e novos bloqueios na China, os preços dos insumos voltaram a subir, diz ele, citando o exemplo do preço do algodão.
A expectativa da Inteligência de Mercado (Iemi), consultoria especializada em dados de consumo, é de que a receita do varejo cresça cerca de 6% neste ano, com o volume de peças avançando 4,13%. Já a indústria deve crescer 4,76% em receita e 3,2% em volume.
No caso dos calçados, esse descompasso entre o “sell in” e o “sell out” foi sentido por Grendene e Alpargatas, que divulgaram seus resultados do primeiro trimestre. As duas empresas viram os volumes caírem no mercado interno, já que os pedidos de clientes foram menos intensos. O volume da Grendene no mercado nacional caiu 30,4%, para 18,9 milhões de pares. Com mais operações diretas ao consumidor, a Alpargatas registrou um recuo de 4,1% no volume do mercado brasileiro, para 46,7 milhões de pares.
De acordo com Alceu Albuquerque, diretor de relações com investidores da Grendene, os clientes estavam com muitos estoques do Natal. A perspectiva, porém, disse ele ao Valor à época da divulgação do resultado, é de melhora, já que o ritmo de vendas dos clientes para os consumidores finais foi se mostrando crescente a cada mês do trimestre.
De acordo com Roberto Funari, presidente da Alpargatas, os números do “sell out”, ou seja, das vendas dos clientes ou das vendas diretas ao consumidor têm demonstrado resiliência, mesmo com o reajuste de preço de 10% feito pela companhia.“Vimos um crescimento de baixo dígito, com um mix de produto mais rico.” O que pesou nos volumes, diz ele, foi a disponibilidade dos clientes (varejistas e distribuidores) em repor estoques. Num ambiente de juros básicos mais altos, há maior preocupação em preservar capital de giro. “Os clientes estão trabalhando com estoques mais assertivos. tivemos queda de 2 dias no nível de estoques dos nossos clientes, o que pesou no nosso ‘sell in’”, explica.
Mas pesa também sobre o setor a renda disponível dos consumidores e a disposição a consumir para cada classe social. Quem está mais exposta às classes sociais de maior renda tem se saído melhor.
Na sexta-feira, a varejista Lojas Renner destacou que a receita do varejo cresceu 63,4%, para R$ 2,29 bilhões. Segundo a direção da empresa, a coleção acertada e estoque correto trouxe menor nível de remarcação no primeiro trimestre — esse cenário favorece melhora em rentabilidade.A empresa reverteu o prejuízo de um ano antes e registrou um lucro líquido de R$ 191,6 milhões, superando inclusive o período pré-pandemia.
Ainda mais dedicada aos consumidores de alta renda, a Arezzo &Co não tem sentido as margens pressionadas, mesmo com os custos se elevando, pois tem conseguido repassar preços sem perder volume. No trimestre, a receita bruta aumentou 64% na comparação anual, para R$ 1,04 bilhão — melhor resultado histórico para um início de ano. A margem bruta aumentou 3,4 pontos percentuais na comparação anual, de 50% para 53,4% — próxima ao do quarto trimestre, que foi de 54%. A margem Ebitda ajustada, que exclui impacto positivo não recorrente de créditos fiscais, foi de 13% para 15,9%. O lucro líquido quase dobrou, para R$ 58 milhões, alta de 94% na comparação anual (no quarto trimestre, que costuma ser mais forte no varejo, havia sido de R$ 104 milhões).
Já a rede fast fashion C&A teve o resultado impactado pela inflação. O diretor financeiro da empresa, Milton Lucato Filho, disse que o longo ciclo de alta da inflação “vem ofuscando a recuperação de vendas” da empresa, que tem visto aumento da demanda.No balanço trimestral, a varejista reportou prejuízo líquido de R$ 152,7 milhões entre janeiro e março, ante lucro líquido de R$ 751,4 milhões um ano antes. A receita líquida de R$ 1,197 bilhão em mesmas lojas superou em 54,2% o resultado obtido no primeiro trimestre de 2021.
Por: Valor Econômico
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