Desde o segundo semestre de 2021, a indústria calçadista brasileira experimenta uma retomada que tem como principal fator o aumento das exportações. No ano passado, foram embarcados 123,6 milhões de pares, 32% mais do que em 2020 e 7,3% mais do que no ano que antecedeu a pandemia de Covid-19 (2019).
Nos três primeiros meses de 2022, as vendas de calçados para o exterior seguiram o ritmo de elevação, somando mais de 40,74 milhões de pares embarcados ao exterior, 27,3% mais do que no mesmo período de 2021. Segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), além do arrefecimento de Covid-19, entre os fatores determinantes para a performance estão as exportações com marcas dos clientes internacionais, modelo chamado de private label.
O presidente-executivo da Abicalçados, Haroldo Ferreira, destaca que a demanda por produtos para grandes marcas do varejo internacional, especialmente dos Estados Unidos, tem sido fundamental para a retomada das exportações de calçados brasileiros.
“É a retomada de um momento importante e histórico da indústria brasileira. Até meados dos anos 2000, quando a China despontou como o mais importante fornecedor de calçados do mundo, o Brasil era um grande exportador de private label, especialmente para os Estados Unidos, o nosso histórico principal destino no exterior”, conta o executivo, ressaltando que naquela época a demanda norte-americana migrou para a Ásia. Após um hiato de quase duas décadas, a procura de compradores dos Estados Unidos por novos fornecedores de calçados, alternativos aos asiáticos, tem alterado a “regra do jogo”.
Segundo Ferreira, se soma à nova configuração no contexto internacional, a evolução da cadeia produtiva nacional, hoje muito mais preparada e competitiva do que em meados dos anos 2000.
“Hoje temos uma cadeia completa, que tem desde componentes até o produto final, tudo isso com tecnologia, qualidade, sustentabilidade e design.
Além disso, atributos como flexibilidade produtiva para vendas de lotes menores, bem como a preparação para o atendimento personalizado no mercado internacional nos colocam em outro patamar competitivo”, avalia o executivo.
Ferreira acrescenta que a China, embora ainda seja o principal fornecedor de calçados do planeta, vem perdendo força diante das necessidades de consumidores mais exigentes e conscientes, especialmente da América do Norte e Europa.
“O consumidor mundial, cada vez mais, tem dado atenção às origens do produto consumido, em especial aos quesitos de sustentabilidade ambiental, social e econômica. Neste contexto, o Brasil sobressai como o principal fornecedor de calçados do mundo”, comenta.
Neste cenário de incremento da demanda internacional por calçados verde-amarelos, a busca por produtos com marcas de clientes vêm gerando oportunidades para as fábricas brasileiras – muitas delas gaúchas – especializadas no atendimento do mercado de private label.
Relatório gerado pela Inteligência de Mercado da Abicalçados aponta que, em 2019, 15,8% dos calçados embarcados para o exterior eram com marcas de clientes internacionais, número que passou para 18,2% no ano passado. “E é um percentual que deve crescer nos próximos anos”, projeta Ferreira.
Killana: exportações em alta
Uma das empresas brasileiras que tem se especializado nas exportações com marcas de clientes internacionais é a Killana, de Três Coroas/RS. Fundada em 1997 e atualmente contando com mais de 70 funcionários, a indústria produz de 650 a 700 pares de calçados femininos por dia, dos quais 60% são exportados para países como os Estados Unidos, Itália, Chile, Bolívia, Colômbia, Uruguai, Polônia, Rússia, Portugal e Romênia.
Do total exportado, segundo o diretor comercial da empresa, Marcos Huff, 90% é no modelo de private label. “Um cliente italiano nos encomendou, recentemente, cinco coleções exclusivas”, conta, ressaltando que são demandas comuns e que a Killana tem know-how para o atendimento.
Segundo Huff, o mercado para exportações com marcas dos clientes vem crescendo e as perspectivas são as mais positivas. Huff elenca, ainda, algumas vantagens importantes no modelo de exportação, como a maior proximidade com o cliente final, diante dos apontamentos do varejo, a maior assertividade das coleções e o aprendizado proveniente do relacionamento. “Nós acabamos absorvendo o conhecimento do nosso consumidor final em diferentes mercados para melhoria de processos internos na empresa”, acrescenta.
Depois de registrar dificuldades em 2020, diante das dificuldades impostas pela pandemia de Covid-19, Huff conta que 2021 fechou com um crescimento de 28% nas exportações. “Ainda não recuperamos todas as perdas, o que deve ocorrer até o final deste ano, quando deveremos retomar os níveis de 2019”, projeta o diretor.
Calçados Status: know-how no mercado internacional
Exportando quase a totalidade produzida, a Calçados Status, de Igrejinha/RS, é outro exemplo de atuação no mercado internacional, especialmente por meio do modelo de private label. Fundada em 1977, a tradicional indústria do polo calçadista do Vale do Paranhana emprega diretamente mais de 200 colaboradores e produz uma média de 1,2 mil pares por dia, quase todos embarcados para 35 países, com destaque para Rússia, Chile e países do Leste Europeu.
A gerente de exportações da empresa, Juliana Behrend, destaca que a Status, desde seus primeiros passos, teve como foco a exportação. “Como a maioria das empresas do Sul do Brasil, as exportações iniciaram com private label com os clientes dos Estados Unidos. Com o passar dos anos, a participação norte-americana reduziu e houve a expansão das vendas a outros mercados não tão usuais, como do Leste Europeu e africano”, conta.
Atualmente, segundo Juliana, 80% das exportações são com a marca do cliente. “Existem dois modelos de private label, um voltado para o desenvolvimento dos clientes – construção, modelo e materiais -, e o outro quando os compradores colocam suas marcas nos modelos da nossa coleção”, explica a gerente.
O modelo private label para exportações, embora estrategicamente eficaz, exige um cuidado especial por parte da empresa. Juliana conta que a Status mantém um departamento de exportações voltado para o atendimento aos clientes, o que ocorre tanto em feiras internacionais quanto por meio de visitas físicas ou contatos remotos, via telefone, redes sociais e e-mails.
“Temos condições de manter a comunicação em inglês, espanhol e italiano. Todo o follow up de atendimento, assim como pós-venda, faz parte do processo de atendimento aos clientes”, destaca. Outro ponto importante, segundo a gerente, são as eventuais adaptações solicitadas pelos clientes.
“Cada mercado tem particularidades, como de calce, por exemplo, sendo que algumas vezes são necessárias conversões de números. Também são solicitados desenvolvimentos de saltos ou solas personalizadas”, conta Juliana, acrescentando que a empresa oferece uma grande gama de possibilidades de materiais e combinações.
Diante do cenário atual e já vislumbrando o contexto pós-pandêmico, Juliana conta que a empresa projeta a retomada e crescimento das vendas nos próximos dois anos. “A projeção de crescimento nas exportações é de 25% a 30% em 2022, na relação com 2021”, avalia a gerente, destacando que o Brasil vem se tornando um potencial fornecedor internacional de calçados diante do crescimento da demanda global.
Sugar Shoes: expansão via private label
Com fábricas em Picada Café/RS, Capela de Santana/RS, Senador Pompeu/CE (duas), Solonópole/CE e Cratéus/CE, o grupo Sugar Shoes é um dos mais importantes players do Brasil, com licenças exclusivas para marcas como Coca-Cola, Aramis, Hurley, entre outras grandes marcas. Fundado em 1998, emprega mais de três mil pessoas de forma direta que produzem, diariamente, mais de 54 mil pares de calçados, dos quais embarcam cerca de 15% para mais de 15 países.
A gerente de Negócios Internacionais do grupo, Mariana Martins, conta que as exportações via private label respondem por mais de 70% dos negócios da companhia. “Hoje temos clientes, nessa modalidade, em países da América Latina e nos Estados Unidos, onde atuamos em parceria com marcas internacionais reconhecidas no mercado da moda”, conta.
Segundo ela, a empresa realiza um acompanhamento contínuo dos parceiros, em especial diante dos diferentes calendários e necessidades. Para o trabalho, mantemos uma equipe interna de desenvolvimento e vendas dedicada ao mercado internacional”, informa a gerente, ressaltando que alguns clientes private label compram produtos da coleção sem adaptações e outros solicitam desenvolvimentos específicos de acordo com o mercado local e suas necessidades em termos de design e construções.
“As exportações são de grande importância para a empresa e garantem um equilíbrio na sazonalidade que acaba acontecendo no mercado interno. O ano fabril das indústrias é formado por períodos em que o mercado doméstico está aquecido, sendo que em outros meses o mercado externo supre a demanda”, avalia Mariana.
Para 2022, Mariana conta que existe uma perspectiva de crescimento nas exportações da empresa, especialmente diante da maior demanda dos Estados Unidos e países latino-americanos, seguindo uma trajetória identificada em 2021, quando o grupo cresceu mais de 50% em receita bruta. Existe um ambiente fragilizado no cenário internacional, especialmente para as importações da Ásia o que, segundo ela, deve seguir auxiliando na prospecção de clientes internacionais.
“Prevemos expansão de pelo menos 30% em 2022 nas exportações, podendo dizer que 20% será via private label”, projeta.
Por: Jornal do Comércio
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