A Hermès, a última das grandes casas de produtos de luxo europeias a anunciar seu resultado anual, estragou a festa. Sua divisão icônica de artigos de couro e selaria, responsável por cerca de metade de seu faturamento, levou um tombo no quarto trimestre. As receitas caíram 5,4%. A Hermès responsabilizou as limitações de oferta.
Há outros sinais de que nem tudo vai bem no mundo do preparo e dos acabamentos de couro. Tanto a LVMH como a Chanel aumentaram o preço das suas bolsas. Na China, a da “pequena bolsa de mahjong”, como é chamada localmente, subiu 50% de novo, o que provocou uma onda de reclamações de internautas indignados.
As empresas de artigos de couro de luxo se debatem com problemas de fornecimento da mesma forma que a hamburgueria da esquina. A oferta de couro caiu quando os restaurantes, fechados durante a pandemia, diminuíram o consumo de carne bovina. Cerca de 70% do couro vem do gado bovino, e a redução no abate de bois significa menos peles disponíveis.
Neste inverno no hemisfério Norte, o processamento de carcaças nos abatedouros europeus foi cerca de um quinto menor do que o normal para a época do ano. Os curtumes, relutantes em pôr máquinas para funcionar em níveis de utilização baixos, representam mais um freio – assim como a escassez de produtos químicos usados para seus processos.
O setor de fabricação de couro é extremamente globalizado. Grande parte do comércio depende de peles parcialmente processadas que vão dos EUA e do Brasil para a China. Frete mais altos e atrasos logísticos tiveram um impacto. Mudanças na demanda de outros setores – como automotivo e de aviação – aumentaram a volatilidade da produção.
Ainda assim, a reação dos investidores, que tiraram 4,1% do preço das ações da Hermès na sexta-feira na bolsa de Paris, certamente foi exagerada. A empresa brilha menos que as equivalentes LVMH e Kering, mas seu lucro operacional veio maior do que o esperado.
Este é um setor que não só pode aguentar o choque do consumidor com seus preços, como também transformá-lo em uma vantagem, ao estimular as vendas antes de aumentos previstos e ao ampliar a exclusividade de seus produtos. Isso se deve mais ao marketing do que às matérias-primas. Afinal, as bolsas veganas da designer Stella McCartney podem facilmente chegar a preços de quatro dígitos sem ter nem uma pitada de couro.
Por: Valor Econômico
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