CONFEDERAÇÃO NACIONAL DO COMÉRCIO DE BENS, SERVIÇOS E TURISMO

Grifes investem em roupa para durar

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Bússola do que o varejo planeja mostrar nas vitrines e termômetro da economia de moda em 2023, a temporada de desfiles de verão mostrou grifes investindo em roupas para durar.

Na temporada de verão da São Paulo Fashion Week, que termina nesta quinta-feira (8) com a surpresa da reestreia do estilista Alexandre Herchcovitch no comando de sua marca homônima, um dos sinais é a limpeza geral nas estampas estridentes de outrora.

Em nome de uma atemporalidade que não faz a roupa perder validade na estação seguinte, marcas como Neriage, Ellus, Misci, Apartamento 03, Lenny Niemeyer e Isaac Silva investiram, em vez da salada de gráficos, em texturas e modelagens que dão um verniz de luxo às criações.

Os ventos já vinham de fora. De acordo com dados da consultoria WGSN, especializada em captar e apontar tendência, os desfiles de Milão e Paris registram crescimento constante no uso de tecidos lisos, sem estampas. Nas semanas de moda em setembro e outubro deste ano, os tecidos lisos responderam por 69,7% das coleções – o preto básico reina, com 31% das propostas, seguido do branco, com 13%.

De acordo com a gerente de experiência do cliente da consultoria na América Latina, Mariane Santiloni, os motivos partem da lógica de abranger o máximo de gostos e, principalmente, adequar-se à indústria da revenda nos próximos anos.

“Aquele casaco de luxo será a nova bolsa, que hoje domina os sites de segunda mão. Então, a peça, além de ter de se pagar [em matéria-prima] para valer o investimento, tem de ser durável como item de moda”, prevê Santiloni.

Das peças que podem envelhecer bem nesta SPFW estão as da Misci. A marca de Airon Martin mostrou uma fusão de couro de pirarucu – uma das joias da peleteria brasileira no mercado de luxo mundial; seda paranaense, cujo tecido é 30% mais caro do que a média do têxtil padrão; e jacquards exclusivos. A coleção privilegiou durabilidade e design inspirado na iconografia brasileira.

Alguns acessórios e detalhes de metal criados pelo designer mineiro Carlos Penna, por exemplo, têm formato de meia lua retirado dos volantes dos fuscas que forraram o asfalto no século passado.

A carioca Patrícia Vieira, referência na costura sob medida aplicada ao couro, abriu a temporada apostando nessa perenidade. Os diversos looks com trabalho de brilho resultam de uma parceria com a Leather Labs, braço da JBS, a maior empresa de carnes do mundo, que dá acesso às marcas de moda ao couro de origem rastreada do frigorífico.

Círculos minúsculos unidos por costura invisível compõem a base dos vestidos, calças e blusas da coleção, formando um degradê de cores feito dos resquícios do couro já tingidos pela empresa. Para Vieira, a ideia “oferece ao cliente uma peça que carrega a identidade do país e é sustentável”.

Sustentável também para o caixa, vale dizer. Parcerias entre empresas do setor e marcas de luxo se tornaram comuns no Brasil após a pandemia de covid-19 e a dificuldade de barganhar insumos no exterior.

Foi só assim que Rafaela Caniello, da Neriage, conseguiu propor uma das coleções mais elegantes do ano, aplicando técnicas de alfaiataria e plissados em roupas cuja cartela de cores mostra nuances de terrosos.

O jacquard com ilustração de deserto, um dos poucos grafismos do desfile essencialmente monocromático, foi desenvolvido na única máquina do país capaz de fazer esse trabalho e em parceria com sua dona, a têxtil Innovativ.

“As pessoas não têm ideia do quão caro para nós [estilistas] é conseguir esse tipo de material. Como proponho uma moda que não se atém a tendências, esse nível de excelência é fundamental para o negócio”, explica Caniello.

A inflação acumulada de 16,24% no preço das roupas até outubro, segundo dados segmentados do Instituto Brasileira de Geografia e Estatística (IBGE), não atinge a clientela da Neriage, disposta a pagar quatro dígitos por uma peça. Mas os preços salgados na base empurram marcas como a dela a ter de se explicar sobre o porquê de uma simples saia, como a Mensa, um modelo vermelho de seda plissada, custar R$ 1.342,50.

A peça foi uma das quatro que a próxima primeira-dama do Brasil, a socióloga Rosângela Lula da Silva (Janja), teria comprado na loja da marca, em São Paulo, e a vestiu em visita a Portugal, no mês passado.

Curiosamente, a notícia mais comentada desta temporada tratava do preço das roupas de Janja. A blusa de seda da Misci usada em entrevista ao “Fantástico”, dias antes do início da semana de moda, foi alvo críticas nas redes por custar R$ 2.850, mas deu ânimo para estilistas do evento.

Há uma expectativa de que, assim como fez a ex-primeira-dama americana Michelle Obama ao estimular a cadeia local vestindo nomes como Jason Wu e Brandon Maxwell, Janja divulgue a produção de moda do Brasil.

Varejistas já se mostram dispostos a impulsionar essas marcas independentes para abrir novas frentes de negócio.

A estilista baiana Isa, da marca Isaac Silva, é campeã de colaborações. Sua ideia de resgatar nas roupas as influências afro-indígenas do país esteve tanto nesta última passarela da SPFW, com uma série de looks texturizados e aviamentos em formato de búzios, como também nas vitrines de Havaianas e C&A, para as quais a marca criou peças.

As coleção-cápsula feita para a Vista Magalu, marca de moda do Magazine Luiza, foi um dos maiores sucessos da plataforma nesse modelo de parceria. Segundo uma fonte a par do negócio, 800 peças foram vendidas em cinco meses e, por ora, só restam os desenhos básicos.

É a mesma estratégia que Alexandre Herchcovitch promete aderir em sua volta à marca própria, colando a grife em outras praças por meio da joint venture assinada com o grupo Inbrands, dono da cinquentenária Ellus.

O acordo permite ao estilista pagar pelo uso da marca, cuja totalidade vendeu em 2013 por valor não divulgado. Segundo sua assessoria, estão programados o lançamento de um e-commerce, uma pop-up store no shopping Iguatemi e venda na multimarcas paulistana NK Store.

Nome forte dos 1990, Herchcovitch é mais um exemplo de como alguns nomes, roupas e modelos de venda podem ser atemporais. E ainda dar certo.

 

 

 

Por: Valor Econômico
Crédito imagem: Freepik

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