CONFEDERAÇÃO NACIONAL DO COMÉRCIO DE BENS, SERVIÇOS E TURISMO

Alta de insumos preocupa calçadistas

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Com um mercado interno fragilizado, o setor calçadista viu as vendas crescentes ao exterior se tornarem uma fonte de receita ainda mais importante durante a pandemia. O consumidor brasileiro começou 2022 com a renda mais pressionada, o que dificulta o consumo discricionário e faz com que as apostas das fabricantes recaiam de novo sobre o mercado externo para escoar a produção e melhorar o balanço. A guerra entre Rússia e Ucrânia e seus desdobramentos surgem como uma pressão a mais na elevada linha de custos, tornando o cenário mais difícil para as já combalidas margens das empresas.

Muito pouco do que é vendido pelas calçadistas brasileiras no exterior é destinado à Rússia e à Ucrânia. Em 2021, quando a exportação de calçados do Brasil cresceu 37% em receita, para US$ 900 milhões, e 32% em volume, com 123,6 milhões de pares, russos e ucranianos responderam por apenas 0,2% e 0,1% do total das unidades embarcadas. No caso da Rússsia, essa fatia era de 0,8% cinco anos antes.

Por isso, uma pressão sobre a demanda ainda não é a preocupação do setor, que espera um crescimento de mais de 5% em volume de pares vendidos fora do Brasil neste ano. “Um grande problema seria se os Estados Unidos declarassem guerra contra a Rússia, pois os americanos, sim, são nosso maior mercado”, diz Haroldo Ferreira, presidente da Abicalçados, associação da indústria calçadista.

Tanto Grendene quanto Alpargatas, grandes fabricantes com capital aberto, minimizam o impacto das vendas nesses países. As duas destacam que os volumes lá vendidos são “irrelevantes”. A Grendene acrescenta, ainda, que como opera com embarques mediante pagamento antecipado, não vislumbra riscos em relação a pagamentos de distribuidores russos e ucranianos.

Já a fabricante de calçados infanto-juvenis Pampili tem a Rússia entre seus principais mercados, ao lado de países da América do Sul e do Oriente Médio, que é sua maior aposta de crescimento nos próximos anos. O diretor executivo Diego Colli embarcou na semana passada para Dubai, para se encontrar com o distribuidor russo e saber como ficam os negócios em meio à guerra e aos bloqueios econômicos impostos ao país. A projeção da empresa, contou Colli ao Valor, é de que a exportação, que hoje responde por 15% da receita, passe a 20% a 25% do total.

O que preocupa a indústria, porém, é a pressão nos custos. A diretora de relações com investidores da Alpargatas, Mariana Espírito Santo, diz que ainda é cedo para mensurar o tamanho do impacto nos preços dos insumos, mas que “a empresa monitora e faz uma gestão estratégica profunda” das matérias-primas. Hoje, cerca de 60% dos custos da dona da Havaianas vem daí, sendo a borracha responsável por 24% dos custos da companhia.

A corretora XP Investimentos apontou esse produto como fator de risco para a empresa, já que a borracha faz parte da cadeia petroquímica. “Mas a relação de preço entre petróleo e borracha não é perfeita, de um para um”, pondera Mariana, sinalizando que o salto de mais de 20% na cotação de petróleo desde a invasão russa não significa um aumento da mesma proporção nos preços da borracha.

Já a Grendene espera a interrupção da recente trajetória de queda do preço da resina de PVC, que responde por 25% dos gastos com matéria-prima. Havia queda desde o fim de novembro, diz o diretor de relações com investidores, Alceu Albuquerque, devido à maior oferta dos produtores americanos e a um alívio na demanda global.

“Não há como prever a magnitude e a duração do conflito russo-ucraniano. No médio prazo, com o encerramento da guerra, acreditamos que o movimento de redução do preço da resina de PVC, das matérias-primas em geral e dos fretes internacionais terá continuidade”, diz o diretor. Metade dos custos da companhia estão ligados à matéria-prima.

Diversos insumos usados pela indústria calçadista são da cadeia petroquímica. “A matéria-prima já vinha subindo, embora não no mesmo patamar do pico da pandemia. Nesse contexto, a redução do IPI é bastante importante, pois reduz o custo de produção”, avalia o presidente da Abicalçados.

A Associação Brasileira das Empresas de Componentes para Couro, Calçados e Artefatos (Assintecal) também destaca o efeito do câmbio. “Se o dólar subir, aumentam os custos de produção. E temos insumos que são derivados do petróleo, como o usado em solado, além do efeito em cascata do combustível”, diz Luiz Ribas Júnior, gestor de mercado internacional da Assintecal.

Embora a falta de insumos ainda não esteja na lista das maiores dores de cabeça, Ribas Júnior cita um item que deve ficar mais difícil de encontrar no mercado. Usado no tratamento do couro, o cromo é um elemento químico majoritariamente fornecido pela Rússia, que está sob sanções.

Durante a pandemia, o aumento do frete a partir da China ajudou a impulsionar as vendas dos componentes brasileiros, de acordo com o diretor da Assintecal, crescendo especialmente entre países como Colômbia e México, que têm produção significativa de calçados. Em 2021, a receita de exportação do setor cresceu 22%, para US$ 410,3 milhões, trajetória crescente que também foi observada em janeiro, com 17% de alta ante o mesmo mês de 2021. Com uma nova pressão nos fretes e menos rotas logísticas operando, é possível que a indústria brasileira se beneficie.

Para as fabricantes de calçados as perspectivas do mercado externo ainda são positivas. Embora a valorização do dólar ante o real pressione ainda mais a inflação e enfraqueça o poder de compra do mercado interno, a Grendene diz que esse contexto pode ser positivo para as exportações, dado que as receitas na moeda americana superam os custos dolarizados. Em 2021, 24% da receita veio de fora, somando R$ 686,3 milhões. A expectativa do grupo é aumentar essas cifras especialmente a partir da operação da joint-venture com gestora 3G Radar, que este ano assumiu as vendas de Melissa, Ipanema, Rider nos Estados Unidos, Canadá, China e Hong Kong.

 

 

Por: Valor Econômico
Crédito imagem: Freepik

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